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Foto do escritorAparecido Galindo

JACARÉ VEGANO


Desde o princípio da humanidade, o que convenhamos varia bastante de civilização para civilização, as pessoas sentiram a necessidade de marcar a passagem do tempo. Os meios e métodos variaram de acordo com a época e o desenvolvimento técnico de cada civilização, mas em se tratando de marcar o tempo, creio que já vimos de quase tudo.


Entre o Relógio Solar Egipcío e o Relógio Atômico alguns milhares de anos se passaram, mas no meu caso pessoal, acreditem, nenhum deles me seria recomendado. O primeiro, carente da luz solar, não cairia bem em uma cidade onde a poluição determina qual o dia do ano será de sol ou nublado. Quanto ao segundo, além do preço que está fora da minha realidade financeira, não creio ser uma boa ideia andar por aí com um material radioativo contando os segundos em meu pulso.


Daí que eu decidi contar o tempo a partir das enchentes que acontecem periodicamente na cidade onde eu vivo. Não desejo colher os louros por essa magnífica ideia, algumas civilizações já faziam isso bem antes do ovo e a galinha virem ao mundo. Mas os motivos pelos quais eles utilizavam as enchentes como um cronômetro natural eram bem distintos dos que me levaram a copiar essa ideia.


Digamos que os antigos viam com grande alegria a chegada das enchentes que fertilizavam as várzeas e traziam toda sorte de alimentos para suas comunidades. Não vem a ser o meu caso. A começar pelo que antecede as enchentes onde eu vivo. Primeiro, por volta da época em que as pessoas começam a fazer confraternizações e trocam presentes e um ser de fantasia vermelha e com os cabelos e a barba branca invade os shoppings centers; inicia-se um calor insuportável. É um sinal de que as enchentes estão chegando. Outro fator importante, são os fogos de artifício. Ainda não descobri o porque, mas algumas pessoas começam a tocar fogo nesses objetos cheios de pólvora e durante duas noites inteiras, curioso é que entre uma e outra a diferença é de sete dias! O que leva ao desespero seres de cães e gatos; que ainda nutrem algum amor aos seus tímpanos, bem diferente dos seres humanos.


Passada essa época estranha em que se come peru recheado, bolo de trigo com frutas secas e chocolate, meu coração dá um aperto. É isso minha gente, agora não tem mais jeito: as enchentes estão chegando. Fica uma dica, caso deseje trocar os móveis, faça antes das enchentes! Porquê? Oras, porquê? As enchentes invadem lojas e casas e como destrói tudo que seja de madeira, espuma ou metal, todos saem às compras numa busca desesperada por itens considerados de luxo como sofás, mesas e guarda-roupas!


Acha isso pouco? Não sabe o que acontece com as lojas de móveis que perdem todo o seu mostruário ao ponto de nem conseguir fazer uma queima de estoque, por ter o risco de sair uma capivara de dentro de um criado mudo. Por que os animais silvestres também são tolhidos por essas enchentes e trazidos a lugares indesejáveis. Já imaginou, ser um porco do mato e acordar dentro de um açougue onde a costelinha suína antes da enchente já custava quase trinta reais!


As enchentes ditam o meu vestuário e também de boa parte daqueles que as enfrentam todos os dias durante duas ou três semanas. A paleta de cores não varia muito, vai do amarelo capa-de-chuva ao preto saco-de-lixo. Por que quando se trata de se proteger de temporal, meus concidadãos demonstram uma criatividade excepcional: caixa de papelão, saco de lixo, plástico bolha, mãos em concha!


Quanto a eficácia do meu método de medição do tempo, creia, em uma década de aplicação não falhou um ano sequer. Em relação ao perigo de algum dia o poder público criar uma maneira eficiente de evitar as enchentes, por isso eu não temo. Só onde eu moro as enchentes já elegeram dois prefeitos, 30 vereadores, três deputados estaduais e um federal. Aliás, pensando bem, as enchentes funcionam melhor de que marqueteiros e cabos eleitorais. Bom, agora deixa eu colocar comida para o meu bichinho de estimação, ele apareceu aqui na última enchente e quando chega a hora de comer é melhor atendê-lo sem mais delongas. E o que poderia ser? Nada demais, só um jacaré-do-papo amarelo. Sorte minha que ele é vegano!


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