Houve tempo que os trens
passavam no Boqueirão
levando gente e trazendo
do litoral ao sertão.
E quando ele apitava
de longe se avistava
a peste do fumaceiro
avisando que chegava
a máquina que desbravava
esse rincão brasileiro.
Mané Pitomba não tinha
dinheiro pra pagar o trem
mas ele se aproveitava
da vereda como ninguém.
Parecia um andarilho
quando pegava o trilho
cruzava o sertão inteiro
não tinha dia nem hora
mal chegava, ia embora
era aquele desespero.
E quando lhe falavam:
-Pitomba tome cuidado
esse mato que tu anda
tem bicho muito malvado!
Pitomba só respondia:
Vocês deixem de agonia
sou um sujeito testado
não tenho medo de nada
com minha faca amolada
retalho o bicho um bocado!
Era homem corajoso
isso não se pode negar
enfrentava qualquer um
que vinha lhe desafiar.
Mané Pitomba no ato
desfazia o boato
sem deixar acontecer
quando o cabra notava
encurralado já estava
e botava para correr.
Foi assim na bodega
de José de Julião
que o danado sozinho
enfrentou foi três irmãos.
E aquilo foi rasteira
quebrou mesa e cadeira
e o povo todo assistindo
e enquanto brigava
Mané Pitomba cantava
dizem até que ficou rindo.
E em casa assombrada
ele gostava de dormir
armava logo uma rede
para lá se divertir.
Chamava a assombração
para brincar no oitão
da casa abandonada
passava a noite bebendo
na calçada e dizendo:
Mas que fantasma que nada!
E ele continuou andando
sem ter hora marcada
cortando a capoeira
também a mata fechada.
Arrotando imprompérios
debochando dos mistérios
que nesse mundo existem
que por mais que a ciência
corra atrás da evidência
alguns segredos persistem.
Certa vez Mané Pitomba
saiu ainda de madrugada
foi visitar um parente
numa longa caminhada.
Quando de lá ia voltando
escutou uma voz que dizia:
Você deixe de capricho
a noite ficou pros bichos
para os Homens, o dia!
Pitomba era corajoso
pense num cabra arretado
olha que se fosse mole
tinha ficado calado.
Mas que nada, ele ergueu
sua a cabeça e respondeu
para a voz do além:
Não tenho medo de cochicho
a noite é para os bichos
e para os Homens também!
E três dias se passaram
e o povo a se perguntar:
Por onde anda Pitomba
que não vem nos visitar?
Saíram a sua procura
enfrentando a noite escura
onde reina a perdição
e os servos da maldade
que fogem da claridade
para criar confusão.
Andaram para mais de légua
seguindo do trem a estrada
e foi no meio da mata
que deram com a presepada.
Do pobre Mané Pitomba
num acharam nem a sombra
da sua cara amarela
aquilo foi mau agouro
pois do seu cinto de couro
só encontraram a fivela!
Nunca mais ele foi visto
por qualquer um conhecido
parece ter se encantado
ou quem sabe, morrido.
O castigo é Deus quem manda
e hoje quando alguém anda
por aquelas quebradas
é possível ainda ouvir
um animal a grunhir:
Será Pitomba dando risadas?
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