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Foto do escritorAparecido Galindo

A NOITE É DOS BICHOS


Houve tempo que os trens

passavam no Boqueirão

levando gente e trazendo

do litoral ao sertão.


E quando ele apitava

de longe se avistava

a peste do fumaceiro

avisando que chegava

a máquina que desbravava

esse rincão brasileiro.


Mané Pitomba não tinha

dinheiro pra pagar o trem

mas ele se aproveitava

da vereda como ninguém.


Parecia um andarilho

quando pegava o trilho

cruzava o sertão inteiro

não tinha dia nem hora

mal chegava, ia embora

era aquele desespero.


E quando lhe falavam:

-Pitomba tome cuidado

esse mato que tu anda

tem bicho muito malvado!


Pitomba só respondia:

Vocês deixem de agonia

sou um sujeito testado

não tenho medo de nada

com minha faca amolada

retalho o bicho um bocado!


Era homem corajoso

isso não se pode negar

enfrentava qualquer um

que vinha lhe desafiar.


Mané Pitomba no ato

desfazia o boato

sem deixar acontecer

quando o cabra notava

encurralado já estava

e botava para correr.


Foi assim na bodega

de José de Julião

que o danado sozinho

enfrentou foi três irmãos.


E aquilo foi rasteira

quebrou mesa e cadeira

e o povo todo assistindo

e enquanto brigava

Mané Pitomba cantava

dizem até que ficou rindo.


E em casa assombrada

ele gostava de dormir

armava logo uma rede

para lá se divertir.


Chamava a assombração

para brincar no oitão

da casa abandonada

passava a noite bebendo

na calçada e dizendo:

Mas que fantasma que nada!


E ele continuou andando

sem ter hora marcada

cortando a capoeira

também a mata fechada.


Arrotando imprompérios

debochando dos mistérios

que nesse mundo existem

que por mais que a ciência

corra atrás da evidência

alguns segredos persistem.


Certa vez Mané Pitomba

saiu ainda de madrugada

foi visitar um parente

numa longa caminhada.


Quando de lá ia voltando

mata adentro avançando

escutou uma voz que dizia:

Você deixe de capricho

a noite ficou pros bichos

para os Homens, o dia!


Pitomba era corajoso

pense num cabra arretado

olha que se fosse mole

tinha ficado calado.


Mas que nada, ele ergueu

sua a cabeça e respondeu

para a voz do além:

Não tenho medo de cochicho

a noite é para os bichos

e para os Homens também!


E três dias se passaram

e o povo a se perguntar:

Por onde anda Pitomba

que não vem nos visitar?


Saíram a sua procura

enfrentando a noite escura

onde reina a perdição

e os servos da maldade

que fogem da claridade

para criar confusão.


Andaram para mais de légua

seguindo do trem a estrada

e foi no meio da mata

que deram com a presepada.


Do pobre Mané Pitomba

num acharam nem a sombra

da sua cara amarela

aquilo foi mau agouro

pois do seu cinto de couro

só encontraram a fivela!


Nunca mais ele foi visto

por qualquer um conhecido

parece ter se encantado

ou quem sabe, morrido.


O castigo é Deus quem manda

e hoje quando alguém anda

por aquelas quebradas

é possível ainda ouvir

um animal a grunhir:

Será Pitomba dando risadas?

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