Será minha esta face
estampada no espelho
de água a me confrontar
bem no meio dessa rua?
Eu sei não é permitido
demorar-se assim tanto
parado em via pública
mas, eis que essa imagem
clama por minha atenção.
Esses olhos eu conheço
de mim são familiares
assim como as dúvidas
que dilatam suas pupilas.
O sorriso, sob a máscara
tem ares de repartição
tão falso e burocrático
que cabe num memorando.
Esses cabelos grisalhos
cheios de anos e química
tem o porte aristocrático
de um Delfim de França.
Não irei culpar o tempo
ele foi justo para comigo
meu reflexo até ganhou
leves contornos esféricos.
Não julgo Aristocles
Que tem me ocupado
e nem o utopista alemão
que me custou alguns anos.
Eis que alguém buzina
e toda a poça trepida
e com ela a imagem
de um ser quase real.
Corro e atravesso a rua
e dez anos em segundos
e deixo a triste imagem
presa na lama do tempo.
Então, fechado em casa
finalmente estou liberto
e pronto para enfrentar
dá vida a reclusão.
Desfaço-me dos espelhos
minha sanidade exige
não devo correr o risco
de me expor ao que sou.
(Menção Honrosa no Prêmio Literário Paulo Setúbal - 2021 - Poesia.
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