Gerado em uma retorta
aquecida com estrume
eis que chegou à vida
a figura do Homúnculo.
Estranho ser que conquistou
as rédeas da Natureza
e a conduziu sem escrúpulos
ao fundo de um lamaçal.
Ah! Se tivesse sido gerado
em um útero materno!
E recebido por alimento
um pouco de humanidade.
Assim lamentavam as mães
que um dia amamentaram
àqueles a quem o ego
do Homúnculo devorou.
Ao seu império de medo
somou-se o de mentiras
e o que não era real
coube a ele inventar.
Dizia que os sentimentos
não fazem subir a bolsa
e que de boa vontade
não se faz o capital.
Ele afirmava que o mérito
é uma régua sagrada
que divide os humanos
em duas grandes castas.
A primeira: dos vencedores
em cujas mãos devem estar
as chaves para o futuro
do homem superior.
A segunda: dos derrotados
a quem só cabe louvar
aos seus benfeitores
seres extraordinários.
Ah! Se o vento tocasse
a face do Homúnculo!
Ah! Se a chuva regasse
o amor em sua fronte
Assim diziam os poetas
antes das execuções
que pouparam unicamente
a súcia de bajuladores.
O Homúnculo não saía
jamais de sua redoma
e temia que um pássaro
quebrasse o seu encanto.
Por isso cortou as árvores
e incendiou os campos
e o que podia ser rentável
levou para um zoológico.
E todos os continentes
jaziam em suas mãos
que alimentaram os oceanos
com esgoto, sangue e plástico.
Ele pensou que a beleza
do céu lhe desafiava
e desejou capturar
a luz de uma estrela.
E seus foguetes romperam
do ar as quatro camadas
deixando pelo caminho
pedaços de solidão.
Eis que a terra é azul!
Declarou seu operário.
Mas o Homúnculo insistia
ter ela a cor de sangue.
O mesmo sangue das nações
que uma a uma tombaram
a combaterem sem êxito
o seu rival mais cruel.
E se o Homúnculo sangrasse
como todos os mortais?
Perguntavam-se os sábios
no fundo das masmorras.
Não sabiam os detratores
que por mais que desejasse
Homúnculo não poderia
sangue e lágrima verter.
As rochas se erodem
sem demonstrarem fraquezas
até que um certo dia
se mostram em grãos de areia.
Assim também o Homúnculo
ao despedir-se do mundo
não deixou registrado
o dia de sua partida.
Pois tinha se multiplicado
com tamanha perfeição
que ninguém poderia afirmar
se foi passado ou presente.
Seu túmulo porém ficou
desconhecido por todos
resta a dúvida se ele esteve
entre nós ou ainda está.
Obs: obra pertencente ao livro ainda inédito "De quando nasce uma flor".
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