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O CORPO QUE NARRA

(AO MEU PADRINHO OLIDÓN PEREIRA GALINDO)


Era noite. A luz fraca do candeeiro tateava por toda a sala. A algazarra comia solta na velha casa, crianças corriam de um lado para outro e o gato entrava sorrateiro pela fresta do telhado para se aninhar no colo de padrinho Olidón. Este, acolhia o bichano e não sei como ele conseguia, mas um por um, também íamos chegando ao pé da mesa.


As crianças da casa sentavam-se ao seu lado, as de fora se arrumavam nos tamboretes e no banco de aroeira. O grande momento se aproximava, mas apenas quando todos faziam silêncio é que daquele corpo cansado pela lida diária saia uma voz inconfundível que dava vida  as mais incríveis narrações.


Com ele, as lendas eram sempre novas e os causos, mantinham a mesma graça. Um por um os personagens iam desfilando noite adentro: uns bons, outros maus, havia os tristes e também os muito engraçados.


As batidas na mesa viravam o galope de um garboso garanhão, assovios se transformavam em cantos de pássaros e a sombra de suas mãos projetada na parede tanto podia ser um gato, um cachorro e quem sabe, um leão.


Aquela voz nos apresentava toalhas mágicas de onde surgia a mais abundante comida, jovens corajosos que partiam em busca de aventuras enfrentando as mais terríveis provações; princesas belas e bruxas, ainda mais deslumbrantes, com suas delgadas vassouras e fumegantes calderões. E como não lembrar dos malandros de criatividade farta, que zombavam dos poderosos e conquistavam o respeito de todos nós?


E quando, dada à hora de partir saiamos de sua casa, íamos para a nossa levando todo aquele universo transmitido por sua voz, suas mãos e todo o seu corpo, todo ele, todo ele; nos contava histórias.


São Bernardo do Campo, 19/12/2013.


Aparecido Galindo.

 
 
 

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