— E aí cara! Você conhece a Pau de Café?
Deveria ter no mínimo umas cem pessoas no ônibus, mas o sujeito decidiu perguntar logo para mim. Era branco, daqueles que tem o nariz descascado e a barba ruiva. Parecia corrido no eixo e manjado no trecho e olhava pela janela do busão como a procura de algo especial em meio ao cinza da cidade.
— Não conheço.
— Tá indo pra lá e não conhece?
O maluco queria entrar na minha intimidade e logo percebi as suas intenções. Não era o tipo de homem que ia para o trabalho em pleno sábado e muito menos parecia alguém que tinha o hábito de visitar parentes. Usava calça jeans, blusão de lona preta e botas de couro cru. O que o deixava, em relação aos outros passageiros, mais deslocado do que um padre no puteiro. Ali, tinha coisa e tratei de olhar para outro lugar até perder-me naquele mar de gente que se imbricava para entrar no coletivo já em pleno Terminal São Bernardo.
O sujeito percebeu minha tentativa de fuga, mas dentro de um busão ninguém escapa tão fácil e ele escolheu o banco livre que estava ao meu lado, meticulosamente. Tipo de coisa que só os conterrâneos fazem e mesmo ele tentando disfarçar o sotaque pernambucano com aquelas gírias da quebrada não conseguiu me enganar. Talvez, devido a isso, mudou a abordagem:
— E aí, indo trabalhar?
— Sim.
— Eu também.
Mordi a isca! Eu estava em São Paulo a pouco tempo. Sem entender nada de malícia, via todo conterrâneo como se fosse um amigo. Era tão inocente que caí no golpe da passagem para Jundiaí umas três vezes. Sem contar as pomadas de aroeira que curavam de tudo e que me venderam na estação de Santo André por dez reais! Dez contos! Por um punhado de sebo e corante! Sentindo-me desconfortável com o tipo que estava ao meu lado, perguntei:
— E aí, trabalha em Diadema?
— Não, trabalhar é coisa de trouxa, tô indo fazer um corre!
É isso aí otário! Chamado de trouxa às seis da manhã, num frio de lascar e por um conterrâneo. Podia ir pro trampo sem essa. Ia parar de dar atenção ao cara, mas foi aí que ele me mostrou o Ernesto. Puts velho! Você nem imagina quem era o Ernesto! Um revólver caneludo que ele mantinha enfiado dentro das calças. Eu não queria ser as bolas do maluco com o Ernesto por ali. O mano só mostrou o cabo do berro, levantando um pouco sua blusa e falou:
— Tô indo fazer um corre com o Ernesto lá na Pau do Café. Tá lembrando agora onde fica?
Nada como um incentivo para a nossa memória voltar a trabalhar. Eu conhecia a Pau de Café. Tinha um puteiro lá perto. Acho que estou enganado o puteiro ficava na rua do Santuário de Nossa Senhora das Graças. Cacete o que tinha na Pau de Café? Uma boca de fumo? Um desmanche? Mas isso aí tinha em todo canto! Mas a presença ameaçadora do Ernesto, exigia uma resposta urgente:
— Tô lembrando. Você desce no Terminal Piraporinha e pega um táxi.
— É parça, num sei se você entendeu, mas esse corre que eu vou fazer não dá pra chegar de táxi não.
— Então você pega outro ônibus.
— Tô sem grana! Só recebo depois do serviço pronto.
— É... Nesse caso, a pé deve dar uma hora de caminhada.
— Tranquilo. Vou na boa. Terminando o serviço já ta combinado de virem me pegar. Mas diz, aí o que você faz?
Eu era servente de pedreiro, mas achei melhor inventar uma história qualquer.
— Trabalho com turismo.
— Legal mano. Deve viajar pra caramba né?
— Sim, um pouco.
— Eu também viajo muito.
— Legal.
— Corrido né meu. Semana passada fiz um trampo no sertão de Pernambuco. Deu pra tirar dois barões. Conhece Arcoverde?
— Conheço, sou lá de perto.
— É de Pesqueira?
— Não!
— Venturosa?
— Não.
— Pedra?
— Não!
— Já falei de todas as cidades daquela região e você diz que não é nenhuma?
— Esqueceu de Alagoinha.
— Alagoinha?
— Sim.
— Oxi! Mas isso aí num é um povoadozinho?
— Não! É uma cidade! Pequena, mas é!
— Deve ser mesmo. Nunca ouvi falar!
— Olha, o Terminal Piraporinha é este aqui!
Eu disse aquilo cheio de alívio. Ufa! O Ernesto já estava me deixando nervoso. O conterrâneo desceu do busão muito feliz, não sem antes agradecer pela ajuda e sumiu entre os outros trabalhadores que iniciavam mais um dia de corre.
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