Segundo Roland Barthes em seu importante estudo, Crítica e Verdade, não há outro tempo na literatura a não ser o do passado. O que não impede que aqui seja falado sobre o tempo vivido e o tempo narrado. Onde o tempo vivido é aquele em que o escritor, vive as suas relações pessoais e sociais. Já o tempo narrado, é fruto de técnicas literárias que buscam inserir na obra a imitação do passado, do presente e do futuro.
Turmalina foi escrito por um operário braçal, durante os finais de tarde, quando ele chegava em sua casa. Qualquer pessoa adepta da crítica psicológica, afirmaria que esse fato impactou de forma decisiva na criação da obra e no seu desenvolvimento. Mas, o que esses críticos não levam em consideração é que os personagens de uma obra, não são de carne e osso e devido a isso, as leis da psicologia, da psicanálise, biologia e da história não podem ser aplicados a eles.
E quanto ao escritor? O fato de chegar em casa depois de trabalhar o dia inteiro em uma linha de produção e escrever um romance, não impacta em sua obra? Deixando a parte as questões técnicas, como as mãos cansadas e os olhos turvos de tanta química recebida durante o dia, de resto o escritor continua sendo alguém que finge, que imita, que cria e que dissimula. A simples narração de uma rotina tão massacrante já traria elementos literários que foge do escopo do real. Devido a isso é um tanto dúbio afirmar o que é o real, seja ele o que for, dentro da Arte. Havendo o risco de o quanto mais tentarmos nos aproximar da realidade, mas dela nos afastamos e criamos narrativas melhores ou piores daquilo que vivenciamos. Um diário, um simples diário não é capaz de reter o cotidiano, por quê? A decisão de escrever algo do tipo já é um rompimento com a realidade tornando-se um recorte daquilo que foi o nosso dia.
E mesmo que o leitor busque resquícios do ambiente opressor de uma indústria de tintas da grande São Paulo em Turmalina, textualmente, não o encontrará. Porque todas as nossas experiências por mais grotescas que sejam, tendem a se tornar com o tempo, mais palatáveis a nossa lembrança. Com o decorrer dos anos, aquelas dez horas diárias passadas entre substâncias perigosas e pessoas das mais diversas origens e idades, tendem a parecer, mais amenas. Além do mais, quem gostaria de ler sobre uma tonelada de tinta que foi jogada em uma máquina com um balde ou milhares de embalagens sendo fechadas a uma velocidade frenética em tardes de um verão escaldante? E que hoje são memórias cultivadas ao lado de tantas outras que vão sofrendo as mais diversas transformações.
Aos sedentos pela realidade, convido-os ao espetáculo da vida, olhem pela janela, cruzem a rua, tirem suas vendas, fartem-se do real. Aos que buscam descobrir outros sentidos no viver, abra um livro e permita-se alguns raros instantes de sonho e beleza que só podem ser ofertados pela Arte. E se Turmalina, por um acaso te oferecer um álibi para continuar acreditando que manter-se vivo é uma escolha ainda viável, estarei de todas as formas, realizado.
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